sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A mulher de uma tristeza só

A mulher de uma tristeza só.

Ela falava baixo, sempre com aquele sotaque mineiro lá do sul das conhongas.
Dona de casa, esposa do seu próprio primo, algo comum para a época. Preservar o sobrenome.
Mas quando digo que era dona de casa, quero dizer o "dona" em todos os sentidos possíveis que existem. Era ela que mandava. O marido plantava café na roça. E ela matava a galinha do almoço em casa.
Teve engravidou três vezes, um aborto, e um casal de filhos, que futuramente gerariam quatros netas e 3 bisnetas. Um lar dominado pelas mulheres.
Como dona de casa, cozinha como ninguém. O cheiro dos paes de queijo com pernil, do arroz com feijão frescos e dos biscoitos de polvilho, ah, inconfudiveis.
Sem falar na horta cheia de jabuticabas, mexiricas, temperos, laranja, e o mais importe: as rosas. Lindas, que ela cultivava diariamente com amor, amor puro, amor de graça.
Ela andava devagar, sempre calma, arruma as camas, limpava os móveis, sempre pensando em alguém.  Não cozinhava para si, e sim para os outros.
Tinha uma mania de usar a mesma toalha de banho toda furada mesmo com o guarda roupa cheio de toalhas novas. Usava os mesmos panos de pratos velhos, a toalha de mesa velha, e tinha tudo novo no armário. Uma mania que ninguém entendi e que não adiantava contrariar.
Ela era o amor, o amor em forma de pessoa, sei bem pouco do seu passado, mas sei que ela amou verdadeiramente, e pra mim, isso já diz muito sobre a pessoa.
Ela amava o marido mais que tudo. Quando ele, enfermo, precisou de uma cadeira de rodas, imediatamente ela arrumou uma casa menor e sem escadas para, segundo ela, ele poder andar no passeio, mesmo ele nunca tento feito isso.
Além de ser dona de casa, agora também era dona do seu marido. Remédios, banho, caronas para o hospital, comida, por para deitar, tudo, tudo, era ela que fazia.
O amor, que me inspira todos os dias, não dava a isso um peso, e sim, pureza.
"Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença". Não por obrigação, nunca.
Mas ela cumpriu muito bem o seu papel de quem ama. Até os últimos momentos.
Sentada, depois de uma madrugada inteira ao lado do caixão, ela cochilou e acordou assustada com uma lágrima no olho, a única vista naquela noite, que demonstrava dores profundas que haviam se formado naquele momento. Uma lágrima.

Mas ela continuava dona da casa, dos filhos, dos netos, bisnetos, e das rosas.
Todas as vezes que alguém falava com ela sobre o Zé, seu marido, os olhos molhavam, mas a lágrima não caía.
Mas era amor.

Por incrível que parece, numa cidade pequena, cheia de tradições, ela era completamente independente, fazia e falava o que queria. Se fosse nas grandes metrópoles, acredito que seria ouvida por muita gente. Era sábia.
Sentava em um banquinho na calçada e proseava com todos que passavam, com as costas já curvadas da idade, atravessava bem devagar a rua, para encontrar com as comadres do outro lado e sentar com elas para saber as novidades da cidade. Nenhuma mulher, em nenhuma idade dispensa saber que o fulano traiu a fulana com a vizinha.

Ela não sabia direito o que era, como se faziam, mas amava tatuagens, admirava, quando via alguma, acariciava e elogiava as cores


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